Direitos Disponíveis e Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos – A Decisão do STJ – E Evolução da Cláusula de Resolução de Conflitos da ANP
Direito Administrativo. Serviços, Concessão de Oil/ Gas. Direito Processual Civil e Conflito de Competência. Outras matérias de Direito Público. Arbitration, International Court of Arbitration (CCI), Petrobras, Arbitration Clause, Alternative Dispute Resolutions (ADR), Available Rights, Concession Contract, Conflict of Jurisdiction. Superior Tribunal de Justiça. Processo nº. 0076635-43.2015.3.00.0000. Relator. Min. Napoleão nunes maia filho – Primeira Seção
SUMÁRIO: I – Julgado, II. Comentário
I. JULGADO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 139.519 – RJ (2015/0076635-2)
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
DATA DO JULGAMENTO: 11.10.2017
PETRÓLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS v. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO/ JUÍZO FEDERAL DA 5A VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EMENTA
CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA.
Juízo arbitral e órgão jurisdicional estatal. Conhecimento. Arbitragem. Natureza jurisdicional. Meios alternativos de solução de conflito. Dever do estado. Princípio da competência-competência. Precedência do juízo arbitral em relação à jurisdição estatal. Controle judicial a posteriori. Convivência harmônica entre o direito patrimonial disponível da administração pública e o interesse público. Conflito de competência julgado procedente.
Conflito de competência entre o Tribunal Arbitral da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional e o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, suscitado pela Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS. Reconhecida a natureza jurisdicional da arbitragem, compete a esta Corte Superior dirimir o conflito. II – Definição da competência para decidir acerca da existência, validade e eficácia da Cláusula Compromissória de Contrato de Concessão firmado para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, cujas condições para execução foram alteradas unilateralmente pela agência reguladora por meio da Resolução da Diretoria (RD) n. 69/2014. III – O conflito de competência não se confunde com os pedidos e causa de pedir da ação originária, na qual se objetiva a declaração de indisponibilidade do direito objeto da arbitragem e consequente inaplicabilidade da cláusula arbitral e a declaração de nulidade do procedimento arbitral em decorrência da Resolução da Diretoria n. 69/14, alterando a área de concessão controvertida, cumulado com pedido de anulação do processo arbitral, qual seja, de anti-suit injuction , destinada a evitar seu processamento junto ao Juízo Arbitral. V – O CPC/2015 trouxe nova disciplina para o processo judicial, exortando a utilização dos meios alternativos de solução de controvérsia, razão pela qual a solução consensual configura dever do Estado, que deverá promovê-la e incentivá-la (art. 3º, §§ 1º e 2º). A parte tem direito de optar pela arbitragem, na forma da lei (art. 42). VI – A Lei n. 13.129/15 introduziu no regime jurídico da arbitragem importantes inovações, com destaque para os princípios da competência-competência, da autonomia da vontade e da cláusula compromissória (arts. 1º, 3º e 8º, parágrafo único). VII – No âmbito da Administração Pública, desde a Lei n. 8.987/95, denominada Lei Geral das Concessões e Permissões de Serviços Públicos, com a redação dada pela Lei n. 11.196/05, há previsão expressa de que o contrato poderá dispor sobre o emprego de mecanismos privados para resolução de conflitos, inclusive a arbitragem. No mesmo sentido a Lei n. 9.478/97, que regula a política energética nacional, as atividades relativas à extração de petróleo e a instituição da ANP (art. 43, X) e a Lei n. 13.129/15, que acresceu os §§ 1º e 2º, ao art. 1º da Lei n. 9.307/96, quanto à utilização da arbitragem pela Administração Pública. VIII – A jurisdição estatal decorre do monopólio do Estado de impor regras aos particulares, por meio de sua autoridade, consoante princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, XXXV, da Constituição da República), enquanto a jurisdição arbitral emana da vontade dos contratantes. IX – A jurisdição arbitral precede a jurisdição estatal, incumbindo àquela deliberar sobre os limites de suas atribuições, previamente a qualquer outro órgão julgador (princípio da competência-competência), bem como sobre as questões relativas à existência, à validade e à eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória (arts. 8º e 20, da Lei n. 9.307/96, com a redação dada pela Lei n. 13.129/15). X – Convivência harmônica do direito patrimonial disponível da Administração Pública com o princípio da indisponibilidade do interesse público. A Administração Pública, ao recorrer à arbitragem para solucionar litígios que tenham por objeto direitos patrimoniais disponíveis, atende ao interesse público, preservando a boa-fé dos atos praticados pela Administração Pública, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. XI – A arbitragem não impossibilita o acesso à jurisdição arbitral por Estado-Membro, possibilitando sua intervenção como terceiro interessado. Previsões legal e contratual. XIII – Prematura abertura da instância judicial em descompasso com o disposto no art. 3º, § 2º, do CPC/2015 e os termos da Convenção Arbitral. XIV – Conflito de competência conhecido e julgado procedente, para declarar competente o Tribunal Arbitral da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional. Agravos regimentais da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e do Estado do Espirito Santo prejudicados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, “prosseguindo no julgamento, preliminarmente, por maioria, vencida a Sra. Ministra Assusete Magalhães, conhecer do conflito de competência, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. No mérito, também, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Relator e Benedito Gonçalves, declarar competente o Tribunal Arbitral da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI, o segundo suscitado, nos termos do voto da Sra. Ministra Regina Helena Costa, que lavrará o acórdão. Votaram com a Sra. Ministra Regina Helena Costa os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina e Gurgel de Faria.
II. COMENTÁRIO
A Decisão
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, em 11/10/2017 dirimiu conflito de competência entre o Tribunal Arbitral da Corte Internacional de Arbitragem da CCI (Câmara de Comércio Internacional) e o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, suscitado pela Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS. A questão era acerca da competência para decidir sobre a existência, validade e eficácia da Cláusula Compromissória em Contrato de Concessão para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, cujas condições para execução foram alteradas unilateralmente pela agência reguladora por meio da Resolução da Diretoria (RD) n.69/2014.
A ação originária buscava a declaração de indisponibilidade do direito objeto da arbitragem e consequente inaplicabilidade da cláusula arbitral, e a declaração de nulidade do procedimento arbitral, cumulado com pedido de anulação do processo arbitral, qual seja, de anti-suit injunction, destinada a evitar seu processamento junto ao Juízo Arbitral.
A decisão fundamenta-se em diversos dispositivos legais que preveem e estimulam a utilização dos meios alternativos de solução de controvérsia pelo Estado, inclusive a Lei n. 9.478/97, que regula a política energética nacional, as atividades relativas à extração de petróleo e a instituição da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Enfatiza-se o princípio da competência-competência[1] e a convivência harmônica do direito patrimonial disponível da Administração Pública com o princípio da indisponibilidade do interesse público. A decisão deixa claro que a Administração Pública, ao recorrer à arbitragem para solucionar litígios que tenham por objeto direitos patrimoniais disponíveis, atende ao interesse público, preservando a boa-fé dos atos praticados pela Administração Pública, em homenagem ao princípio da segurança jurídica.
O conflito de competência foi conhecido e julgado procedente, para declarar competente o Tribunal Arbitral da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional.
Particularidades do caso
Nos contratos de Concessão da rodada zero (entre a ANP e a PETROBRAS) há cláusula compromissória, prevendo que:
“Se a qualquer momento uma parte considerar que inexistem condições para uma solução amigável de uma disputa ou controvérsia…”, então essa parte poderá submeter essa disputa ou controvérsia à arbitragem…”
A PETROBRAS não aceitou a modificação unilateral do contrato através de Resolução da Diretoria (RD) n.69/2014 da ANP e, após insucesso no recurso administrativo, iniciou o procedimento arbitral. O Estado do Espirito Santo também recorreu ao judiciário por ter interesse financeiro no caso, e foi analisada a viabilidade da defesa dos seus interesses, uma vez que não foi signatário da referida cláusula.
A (RD) n.69/2014 deu margem para que a ANP intimasse a PETROBRAS a recolher montantes a título de participações governamentais (pagamentos realizados pelos concessionários de atividades de exploração e produção de petróleo e de gás natural ao Governo). Devido ao caráter de urgência, em vista da intimação da ANP, o juízo foi chamado a se pronunciar e decidiu que a liberação dos valores que pertencem ao ESTADO DO ESPÍRITO SANTO limitava-se ao pagamento das participações governamentais estaduais incontroversas (cálculos da produção por campo de forma individualizada). À exceção dessas verbas, determinou-se a paralisação, suspensão e sobrestamento de todas as ações judiciais e/ou procedimentos administrativos vinculados ao objeto da controvérsia.
Disponibilidade do direito em questão e legalidade da cláusula compromissória
A Justiça Federal reputou indisponíveis os direitos concernentes à delimitação de campo de petróleo, que envolveria atividade fiscalizadora, decorrente de poder de polícia da Agência Reguladora, no caso, da ANP. Afastou da competência da justiça privada o exame da legalidade da RD/ANP 69/2014 da competência da Justiça Privada, com fundamento no art. 1º. da Lei 9.307/96, segundo o qual as pessoas capazes de contratar podem valer-se da Arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Ademais, invocou a impossibilidade de se impor ao Estado do Espírito Santo, não signatário da cláusula compromissória do contrato de concessão, algum efeito da decisão de Corte Arbitral não pretendida por ele.
A Resolução de Diretoria determinou a unificação de todos os campos anteriormente arrematados pela PETROBRAS, criando um único grande campo de petróleo (campo de Jubarte). As conclusões e recomendações constantes da Nota Técnica 131/2013/SDP (fls. 117/118) descrevem o impacto e os efeitos financeiros da medida para a arrecadação de Participações Especiais e para a elevação das receitas governamentais.
O STJ considerou que as alterações definidas pela ANP, e os direitos relativos à delimitação de campos de petróleo têm caráter eminentemente patrimonial. Embora envolva interesse público, a unificação dos campos do Parque das Baleias não é medida indisponível ou de caráter indispensável e imprescindível à ordem pública, notadamente pelo fato de que as mudanças incidem em Contrato de Concessão assinado em agosto de 1998, ou seja, com vigência superior a 15 anos na época do ato impugnado no Juízo Privado.
Em vista disso, não há que se falar em ilegalidade da cláusula compromissória. A controvérsia estabelecida entre as partes – manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato – é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção da jurisdição estatal ou do juízo arbitral. De maneira geral, sempre que a Administração contrata, há disponibilidade do direito patrimonial, podendo, desse modo, ser objeto de cláusula arbitral, sem que isso importe em disponibilidade do interesse público.
Nessa linha, considerando a evolução da natureza contratual para jurisdicional da atividade da arbitragem e o afastamento da jurisdição estatal, é inclusive possível a intervenção do Estado do Espirito Santo na arbitragem, na qualidade de terceiro interessado, decorrente da alegada alteração dos critérios de distribuição de royalties.
Evolução do sistema de resolução de controvérsias nos contratos da ANP
A Lei n. 9.478/97 acabou com o monopólio da Petrobras nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural e regulou a política energética nacional e as atividades relativas à extração de petróleo, e ainda criou a ANP.
Em seguida, a ANP assinou os contratos da rodada zero com a Petrobras. As Rodadas de Licitação são leilões por meio dos quais a União concede o direito de explorar e produzir petróleo e gás natural no Brasil. Desde 1999, foram realizadas 14 Rodadas de blocos exploratórios e quatro de campos maduros sob o regime de concessão e três do pré-sal, sob o regime de partilha de produção. Mais de 100 empresas, nacionais e estrangeiras, de diferentes portes, já participaram dos certames. Atualmente, a maior parte da produção brasileira é proveniente de blocos licitados nas Rodadas. [2]
Nos primeiros contratos de concessão, das Rodadas zero, 1 e 2, a cláusula “Regime Juridico” é confusa pois prevê Foro na Cidade do Rio de Janeiro, juntamente com conciliação e arbitragem[3]. Há uma cláusula de conciliação, apenas recomendada, não obrigatória.
Na Rodada 3 houve uma pequena modificação na cláusula de foro:
“Foro
31.2 Fica eleito o foro da Cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, para resolver quaisquer dúvidas, controvérsias, conflitos ou litígios surgidos entre as Partes em decorrência da execução ou da interpretação deste Contrato, que não venham a ser resolvidos por conciliação ou arbitragem.”
Nas Rodadas 4 e 5 essa cláusula sofre modificações, esclarecendo que as partes devem submeter ao judiciário questões que não versem sobre direitos patrimoniais disponíveis:
“Foro
31.4 Para os efeitos da Lei no 9.307/96, para as questões que não versem sobre direitos patrimoniais disponíveis, e onde mais se aplicar, as Partes elegem o foro da Cidade do Rio de Janeiro, Brasil, com único competente, com renúncia expressa a qualquer outro, por mais privilegiado que seja.”
Nas Rodadas 6, 7 e 9, houve apenas menção expressa da escolha de arbitragem ad hoc. A Rodada 8 foi cancelada.
Os mesmos termos estão previstos nos contratos de Acumulações marginais 1 e 2.
Nas rodadas 9 e 10 incluiu-se um item na cláusula de arbitragem (item “g”):
“Havendo necessidade de medidas cautelares, preparatórias ou incidentais, ou outras medidas acautelatórias, a Parte interessada poderá requerê-las diretamente ao Poder Judiciário, com fundamento na legislação brasileira aplicável.”
Nas Rodadas 11 e 12 o regulamento da CCI foi substituído pelo da UNCITRAL, e abriu-se a possibilidade de utilizar um árbitro somente, dentre outras novidades, como a previsão de que toda e qualquer despesa necessária à instalação e desenvolvimento da arbitragem devem ser pagos exclusivamente pelo Concessionário (a ANP somente reembolsa tais valores em caso de condenação final, na forma como decidido pelos árbitros).
Essas mesmas regras estão presentes nos contratos da 1ª Rodada de Partilha de Produção (2013), a famosa primeira Rodada do pré-sal.
Na rodada 13, houve inclusão do seguinte dispositivo:
“1.1 Partes desde já declaram estar cientes de que a arbitragem de que trata este parágrafo refere- se exclusivamente sobre controvérsias decorrentes do Contrato ou com ele relacionadas, e apenas é possível, nos termos da Lei n.º 9.307/96, sobre direitos patrimoniais disponíveis.
1.1.1 Considera-se direito patrimonial disponível, para fins desta cláusula arbitral, os direitos e deveres cujo fundamento são as cláusulas sinalagmáticas do presente contrato, e que não envolvam obrigações previstas em lei, intepretação de definições legais, questões de direito público, nem obrigações de cunho ambiental.”
A minuta da rodada 14 detalhou ainda mais o que são direitos patrimoniais disponíveis:
“34.7.1. Consideram-se controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis, para fins desta cláusula:
a) incidência de penalidades contratuais e seu cálculo, e controvérsias decorrentes da execução de garantias;
b) o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de concessão; e
c) o inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes.
A conciliação nos contratos da ANP
Desde a Rodada 0 os contratos da ANP estabelecem um procedimento denominado de “Conciliação”, que em realidade trata-se de um estímulo à negociação direta:
“Conciliação
29.3 As Partes envidarão todos os esforços no sentido de resolver entre si, amigavelmente, toda e qualquer disputa ou controvérsia decorrente deste Contrato ou com ele relacionada. Poderão também, desde que firmem acordo unânime por escrito, recorrer a perito internacional, para dele obter um parecer fundamentado que possa levar à superação da disputa ou controvérsia.
29.3.1 Firmado um acordo para intervenção de perito internacional, nos termos do parágrafo 29.3, o recurso a arbitragem previsto no parágrafo 29.3 somente poderá ser exercido depois que esse perito tiver emitido seu parecer fundamentado.”
Essa Cláusula sofreu alterações ao longo do tempo, sempre com o propósito de estimular as partes a negociar, sem auxílio de um terceiro neutro. Nos termos da Lei de Mediação (Lei nº. 13.140/2015) e do CPC em vigor, para que se configure um procedimento de conciliação, é necessária a presença de um neutro, que age como facilitador. Por outro lado, é importante observar que o método mais adequado no caso dos contratos de concessão e partilha é a mediação, por ser procedimento ideal para questões envolvendo relações continuadas no tempo[4].
Inclusão da mediação
Recentemente, foi incluída cláusula de mediação às minutas contratuais da 4ª Rodada de Licitações de Partilha e Produção e da 15ª Rodada de Licitações de Blocos:
“36.3 As Partes poderão, mediante acordo por escrito e a qualquer tempo, submeter a disputa ou controvérsia a mediação de entidade habilitada para tanto, nos termos de seu regulamento e conforme a Legislação Aplicável.”
Por um lado, houve um grande avanço, pois entra um terceiro neutro que pode efetivamente auxiliar na resolução da controvérsia. O CPC/2015 de fato consagrou e estimulou a utilização dos meios consensuais de solução de controvérsia, razão que obriga o Estado a promover a mediação e a conciliação (art. 3º). Ocorre que, da forma como está prevista no contrato, ela não tem o efeito desejado, por não ser obrigatória. A Lei 13.140/2015 dispõe que se existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes devem comparecer à primeira reunião de mediação. A participação à primeira sessão de mediação é um enorme passo em direção à solução do conflito. Ademais, idealmente, a cláusula de mediação deve determinar o os critérios de escolha do mediador ou equipe de mediação.
Vantagens da mediação
A inclusão da mediação nos contratos da ANP representa um grande avanço, à medida que ela apresenta uma série de vantagens em relação à negociação direta, algumas delas enumeradas por Stephen A. Hochman em “Six Reasons Why Mediation Works When Negotiation Fails”:
1. A mediação aumenta a capacidade das pessoas se comunicarem diretamente (por exemplo, evitando a comunicação apenas através dos respectivos advogados)
Esse espaço de comunicação permite que as partes tenham a oportunidade de expor suas percepções, e em seguida, concentrar-se em uma análise do custo-benefício do litígio[5]em comparação com o acordo. Um mediador tem mais credibilidade do que o oponente para apontar as fraquezas da posição de cada parte, podendo assim auxiliá-las a analisar objetivamente os riscos e chances de recompensa e se concentrarem em suas reais necessidades e interesses.
2. O mediador tem uma pauta diferente da das partes.
A pauta de uma parte pode ser obter (ou manter) o máximo possível em uma negociação de soma zero ou “vencer”, “ficar igual”, ser inocentado ou satisfazer uma necessidade não-econômica similar. A única agenda do mediador é ajudar cada parte a encontrar uma maneira de se estabelecer em termos que atendam às suas reais necessidades e interesses e que sejam preferíveis à sua alternativa de litígio.
3. O mediador pode ajudar as partes a criarem valor agregado.
O mediador pode sugerir maneiras de aumentar o bolo (por exemplo, benefícios não monetários que custam a uma parte menos que o benefício para o outro, sendo a diferença o “valor agregado”). Quando um mediador sugere um método para agregar valor é mais provável que evite a desvalorização reativa, permitindo que o valor agregado seja compartilhado de forma igual, enquanto que se uma das partes (por exemplo, um vendedor) sugere diretamente ao outro (por exemplo, um comprador) um método de criação de valor (por exemplo, o vendedor oferece dar ao comprador um desconto em pedidos futuros), o comprador pode se sentir autorizado a ficar com todo o valor agregado porque o fato do vendedor (ao contrário do mediador) oferecer o desconto pode ser percebido pelo comprador como um benefício principalmente para o vendedor e, assim, fazer com que o comprador espere mais do que a sua participação no valor agregado.
4. Um mediador, comunicando-se diretamente com a pessoa com poder de fazer o acordo, pode minimizar o risco de conflito de interesses entre a parte e seu representante negociador.
Os litigantes podem ter necessidades financeiras ou egoicas que podem, conscientemente ou subconscientemente, fazer com que supervalorizem os pontos fortes de seu caso e, assim, prefiram se concentrar na vantagem de vencer o litígio ao invés de considerar um acordo que evite o risco de perder. Além disso, o agente de negociação de uma parte pode ter uma necessidade diferente de seu contratante ou empregador (por exemplo, um gerente de crédito pode querer evitar assumir a responsabilidade por uma baixa).
5. Um mediador pode ajudar as partes a superar diferenças de percepção quanto a:
Questões relevantes para o eventual resultado final do litígio (processo ou arbitragem) ou às necessidades reais de cada parte; sua aversão ao risco (por exemplo, uma chance de 25% de ganhar US$ 100 geralmente é preferível ao ganhar US$ 20 com certeza, mas a maioria prefere pagar US$ 25 com certeza, em vez de assumir um risco de 20% de pagar US$ 100) e como os problemas são contextualizados.
6. Uma proposta sugerida por um mediador pode evitar uma reação defensiva, o que poderia ocorrer se a outra parte fizesse a mesma proposta.
Se uma proposta é feita por um neutro, é mais provável que as partes a discutam em vez de suspeita-la ou atacá-la. Se uma das partes fizer uma proposta final “pegar ou largar” para o outro, a outra pode não estar disposta a aceitar um ultimato do adversário, enquanto que se um mediador fizer uma proposta que ele ou ela acredite ser melhor para ambas as partes do que a alternativa de litígio, é mais provável que seja aceito por ambas as partes.
Pelos exemplos citados acima, vê-se que existem diversas razões que justificam o recurso à mediação quando a negociação direta não teve resultado satisfatório, no intuito de se evitar um litígio. A cláusula de mediação pode ser ad hoc (mediador designado para fim específico) ou institucional, prevendo a participação de um mediador neutro, em local diferente da ANP, e idealmente com prazo limite de conclusão da mediação.
Conclusão
A decisão do STJ deixa claro que os métodos alternativos de resolução de conflitos são aceitáveis e desejáveis na administração pública. O Estado pode e deve sujeitar direitos disponíveis a arbitragem, mediação e conciliação. Não deve haver confusão entre indisponibilidade do interesse público e indisponibilidade de direitos. O interesse público não está sujeito a nenhum tipo de negociação. Por outro lado, quando o Estado contrata com o particular, negocia direitos disponíveis, assim, se houver cláusula de mediação, conciliação ou arbitragem, as partes são obrigadas a submeter suas disputas a esses métodos.
Analisando o processo evolutivo da cláusula de resolução de conflitos dos contratos da ANP, percebemos que a cláusula de arbitragem vem sendo melhorada e que, no entanto, o procedimento prévio consensual necessita de aperfeiçoamento, para que a ANP e as empresas usufruam de vantagens econômicas e maior segurança jurídica de um método que promove o fortalecimento da relação e não o seu rompimento. Recomenda-se que seja utilizado o procedimento da mediação previamente à arbitragem, por ser este mais adequado aos casos complexos, que envolvam relação continuada e interesses econômicos comuns. É importante observar que, havendo cláusula de mediação, as partes devem obrigatoriamente comparecer à primeira reunião – o que é um grande passo rumo ao acordo – mas não são obrigadas a permanecer em procedimento de mediação, resguardado o princípio da autonomia da vontade das partes.
[1] Os arts. 8º e 20, da Lei n. 9.307/96, e a Lei n. 9.307/96, na redação dada pela Lei n. 13.129/15, conferem ao juízo arbitral a medida de competência mínima, veiculada no princípio da competência-competência, cabendo-lhe, assim, deliberar sobre os limites de suas atribuições, precedentemente a qualquer outro órgão julgador, bem como sobre as questões relativas à existência, à validade e à eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.
[2] (fonte: http://www.brasil-rounds.gov.br/portugues/entenda.asp#).
[3] “29.2 Foro Fica eleito o foro da Cidade do Rio de Janeiro para resolver quaisquer dúvidas, controvérsias, conflitos ou pendências surgidos entre as partes em decorrência da execução ou da interpretação deste Contrato, que não possam ser solucionados de forma amigável ou por meio de arbitragem.
Conciliação
29.3 As Partes envidarão todos os esforços no sentido de resolver entre si, 52 amigavelmente, toda e qualquer disputa ou controvérsia decorrente deste Contrato ou com ele relacionada. Poderão também, desde que firmem acordo unânime por escrito, recorrer a perito internacional, para dele obter um parecer fundamentado que possa levar à superação da disputa ou controvérsia.
29.3.1 Firmado um acordo para intervenção de perito internacional, nos termos do parágrafo 29.3, o recurso a arbitragem previsto no parágrafo 29.3 somente poderá ser exercido depois que esse perito tiver emitido seu parecer fundamentado.
Arbitragem
29.4 Observado o disposto no parágrafo 29.3.1, se a qualquer momento uma Parte considerar que inexistem condições para uma solução amigável de uma disputa ou controvérsia a que se refere o parágrafo 29.3, então essa Parte poderá submeter essa disputa ou controvérsia a arbitragem, dando início ao processo respectivo, de acordo com os seguintes princípios:
(a) serão três os árbitros, escolhidos um por cada Parte e o terceiro, que exercerá as funções de presidente, nomeado de acordo com as Regras especificadas na letra (d);
(b) o lugar da arbitragem será a cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Brasil;
(c) o idioma a ser utilizado no processo de arbitragem será a língua portuguesa, podendo os árbitros, por unanimidade, aceitar depoimentos ou documentos em outro idioma, sem necessidade de tradução oficial;
(d) a arbitragem se realizará de acordo com as Regras de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, como em vigor na data de início do procedimento; (e) quanto ao mérito, decidirão os árbitros com base nas leis substantivas brasileiras;
(f) o laudo arbitral será definitivo e obrigará as Partes, podendo ser executado perante qualquer juízo ou tribunal competente.
[4] De acordo com o CNJ (http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao-portal-da-conciliacao/perguntas-frequentes/85619-qual-a-diferenca-entre-conciliacao-e-mediacao):
[5] a diferença entre a melhor alternativa para um acordo negociado e a pior alternativa para um acordo negociado (ou seja, BATNA vs WATNA).